A ansiedade pode ter muitas origens, mas, quando enraizada em experiências traumáticas, adquire uma intensidade particular. Não se trata apenas de um medo difuso ou preocupação constante, mas de uma sensação persistente de alerta, como se algo estivesse prestes a acontecer a qualquer momento. Para quem carrega traumas não resolvidos, o corpo e a mente vivem num estado de hipervigilância, respondendo a gatilhos invisíveis que ecoam feridas do passado.
O Trauma e o Corpo: Um Diálogo Silencioso
O trauma não fica apenas na memória — ele inscreve-se no corpo. A psicossomática simbólica revela que sintomas físicos podem ser expressões de emoções reprimidas. Dores musculares inexplicáveis, tensão crónica, palpitações, alterações digestivas e até dificuldades respiratórias podem ser manifestações da ansiedade traumática. É como se o corpo falasse aquilo que a mente ainda não conseguiu elaborar.
As respostas automáticas de luta, fuga ou congelamento, descritas na Teoria Polivagal, mostram que o sistema nervoso pode permanecer preso num ciclo de defesa, mesmo quando o perigo já passou. Isso explica porque tantas pessoas com traumas desenvolvem ansiedade crónica: o organismo aprendeu a permanecer num estado de alerta constante.
A Teoria Polivagal, desenvolvida por Stephen Porges, explica como o sistema nervoso autónomo responde às ameaças de maneira hierárquica. Quando uma pessoa se depara com uma situação de perigo, o primeiro instinto é o de luta ou fuga, ativado pelo sistema nervoso simpático. Se a ameaça parecer inescapável, o organismo pode recorrer ao congelamento, mediado pelo nervo vago dorsal, levando a um estado de imobilização e dissociação. Quando essas respostas são ativadas repetidamente devido a traumas passados, o sistema nervoso pode ficar “preso” nesses estados, reagindo a estímulos quotidianos como se fossem ameaças reais. Isso pode manifestar-se como ansiedade crónica, ataques de pânico, fadiga extrema ou uma sensação constante de estar desconectado do próprio corpo.
A chave para restaurar a segurança e a regulação emocional está em ativar o estado de engajamento social, mediado pelo nervo vago ventral. Técnicas como respiração diafragmática, meditação, toque terapêutico e conexão com pessoas de confiança ajudam a sinalizar ao corpo que o perigo já passou, promovendo um estado de relaxamento e bem-estar.
Um Caso Real: Quando o Medo Se Torna um Estado Permanente
Maria (nome fictício) procurou ajuda porque vivia uma ansiedade intensa e inexplicável. Pequenos estímulos do dia a dia – o barulho de um telemóvel a vibrar, uma voz mais elevada, o cheiro de um perfume específico – desencadeavam crises de pânico. O coração disparava, a respiração tornava-se curta, e um medo avassalador tomava conta de si. À noite, sofria de insónia, e o cansaço acumulado tornava-a ainda mais vulnerável.
Ao aprofundarmos o seu processo, descobrimos que, na infância, Maria cresceu num ambiente instável, marcado por explosões de raiva do pai. Não houve agressões físicas, mas as discussões, portas a bater e o tom de voz elevado tornaram-se sinónimos de perigo para ela. Agora, adulta, qualquer som brusco ou tensão no ambiente fazia o seu corpo reviver aquele estado de ameaça, mesmo sem uma causa real presente.
Na terapia, utilizámos uma abordagem integrativa, combinando hipnoterapia, tapping e técnicas de regulação emocional baseadas na coerência cardíaca. Com o tempo, Maria aprendeu a reconhecer os gatilhos e a ressignificar as suas respostas emocionais. A respiração consciente e a fixação em estados de segurança permitiram que o seu sistema nervoso saísse do estado de alerta permanente. O progresso foi gradual, mas transformador: o que antes era um medo incontrolável tornou-se uma memória que já não governava o seu presente.
Como Superar a Ansiedade Relacionada ao Trauma
Cada pessoa tem um ritmo único de superação, mas algumas práticas podem ajudar a restaurar a sensação de segurança interior:
- Reconhecer o padrão – Observar quando e como a ansiedade se manifesta pode revelar pistas sobre as suas origens.
- Trabalhar a respiração – Exercícios de respiração consciente ajudam a regular o sistema nervoso e a reduzir a resposta de luta ou fuga.
- Explorar abordagens terapêuticas – Hipnoterapia, Tapping, meditação e outras técnicas psicossensoriais são eficazes na reprogramação emocional.
- Ancorar-se no presente – Atividades de enraizamento (como sentir os pés no chão ou focar-se na temperatura do ambiente) ajudam a mente a sair dos estados de alerta excessivo.
- Cultivar a autocompaixão – A ansiedade resultante do trauma não é uma fraqueza, mas uma resposta natural de um organismo que tentou proteger-se. Acolher-se com gentileza é essencial para a cura.
A ansiedade do trauma não desaparece de um dia para o outro, mas pode ser transformada. Quando olhamos para a nossa história com compreensão e encontramos formas de a reescrever internamente, libertamo-nos da necessidade de reviver a dor. É um processo de reconstrução, onde cada passo traz mais leveza e segurança. Porque, no fim, o passado pode ensinar, mas não precisa de definir o presente.